"São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegámos, o medo cegou-nos, o medo nos fará continuar cegos."
São palavras de um autor que não prezo, quer pela escrita, quer pelas ideologias ou crenças. Mas o que diz neste excerto diz muito.
Será que precisamos de um evento marcante para nos apercebermos de uma nossa realidade ou característica? Chamemos-lhe "traço". É o traço intrínseco a todos nós, ou alimentamo-lo? Por mais que não gostemos, ou evitemos embrenhar por pensamentos mais ou menos profundos, mais ou menos existencialistas, maçudos, preguiçosos mas todos eles inerentes, a verdade é que por vezes para lá somos levados. Toda a realidade pré e pós cegueira tem um momento comum: aquele que fez o estado de coisas alterar-se, momento esse cuja causa não interessa, mas cuja importância, essa sim, releva. Agiremos, ou teremos que agir dependentes apenas de um evento? Se sim, prova que a nossa característica de cegos não mais desaparecerá pois faltou-nos percepção, acção, fazendo de nós cobardes; por recearmos conhecer a verdade, ou por recearmos a consequência da aceitação da mesma. Se não, faz de nós seres corajosos e determinados.
Posta esta distinção, é inevitável vermo-nos colocar, ou tentar, pelo menos, numa delas. A verdade é que acho que o ser humano não encaixa verdadeira e realmente numa só, mas em ambas. Por mais destemido que o determinado seja, o medo está sempre presente, medo esse que por vezes veste a capa de senso ou racionalidade como lhe quisermos chamar. Mas ter medo é ser Humano, faz parte daquilo que nos define, daquilo que nos move.
Que obra é esta que me levou a um tão grande desvaire? "Ensaio Sobre a Cegueira", do Saramago. Quando perguntei a um amigo se já tinha visto o filme, respondeu-me com um "não vejo essas comunices!" Ri-me. Mas quando me sentei na sala de cinema para ver o filme, sabia para o que ia. Não me ia sentar num congresso comunista, para isso estaria no campo pequeno. Não ia ver uma comediazinha romântica ou um qualquer thriller no-brainer, para isso estava noura sala. Sabia que estava a pagar para me sentar num filme que não é fácil, para o qual me estava disposto a entregar, para pensar. Quem for disposto a não o fazer, então não vale a pena entrar. Quem vá para lá criticar a inverosimilhança da história ou dos eventos, está a atacar o filme, mas pelas razões erradas. A razão pela qual a mulher (sem nome, ela e qualquer dos outros) é imune ao contágio; ele não ter manifestações médicas; todos os infectados serem entregues a si próprios e sua convivência, é aqui o menor dos assuntos de debate, até porque esta não é uma história que seja verosímil. O que é, é o que lhe subjaz. A razão pela qual o filme está envolto em polémica prende-se por isso mesmo, o confronto com a nossa possibilidade de estarmos entregues aos nossos instintos animais, claro que a natureza gráfica das imagens e dos eventos não ajuda. Se formos bem a ver, este é o fio condutor da filmografia de Fernado Meirelles que nos tem dado filmes que cada um à sua maneira nos fazem pensar e falar. Foi assim com Cidade de Deus, O Fiel Jardineiro e agora com o Ensaio Sobre a Cegueira, todos eles por coincidência (ou talvez não) baseados em obras já publicadas.
Não vão ver. A menos que tal como eu, estejam dispostos a deixar-se pensar e debater sobre questões filosóficas, agora com um motivo: a cegueira do ser humano.
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
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2 comentários:
E eu a pensar que este blog era para "avacalhar", logo me sai o cid com estas tretas filosóficas! Admito, fui eu o autor da agora célebre frase: "não vejo essas comunices!". Não vi o filme, portanto é difícil comparaá-lo com o quer que seja. Agora quando penso em cegueira humana não me vem à cabeça o Saramago (a não ser pelas razões óbvias)! Já dizia o Pacheco Pereira que não existem novas ideias políticas desde aristoteles. Ao que parece o pensamento sobre a cegueira humana também não é de agora. Aconselho a leitura da alegoria da caverna de Platão, pois mostra os vários lados da questão e tem, como hei-de dizer... Aham... mais nível. Este comment já tem um tamanho de um post, mas cid, achei que precisavas de uma resposta à altura. By the way, se forem ao cinema vejam este filme: "A turma". Apesar de ser francês, vale bastante a pena.
Pedro "El Xavi"
comeste um diccionário para fazer este post? está tão.... politicamente correcto.lol
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